De erro em erro. De um lado para o outro.

7 de março de 2012

Choro.

O dinheiro tinha acabado. No frigorífico não tinha nada para além de um enorme vazio. Ouvia um bebé a chorar perto dali. Talvez fosse o Eduardo, o seu filho. Não tinha a certeza porque ultimamente nem tinha tempo para olhar para ele. Tinha dois empregos - um enquanto o sol raiava e outro mal o sol se punha. De noite vendia o corpo nas esquinas sombrias e frias da cidade. De dia tentava recuperar alguma dignidade, enrolada na cama, onde os lençóis já conheciam as formas do seu corpo dorido e tentavam curar a alma corrompida que mantinha dentro dela.

Todos os dias, ela sabia que a noite iria bater-lhe à porta, chamá-la para mais uma noite de transações, por isso, antes mesmo dela se apoderar daquilo que ainda era seu, levantava-se da cama e preparava-se escrupulosamente para que o seu objetivo fosse atingido: ter dinheiro para alimentar-se a si e ao filho. O pequeno Eduardo ainda não sabia quem era nem tão pouco o que a sua mãe fazia sempre que saía de casa e ele tinha de ficar aos cuidados da avó. Mas o que ela mais queria era que ele nunca tivesse de saber. O que ela mais queria era poder passar no supermercado de manhã cedo e trazer qualquer coisa para si e o melhor para o Eduardo. Ele merecia o universo, apesar de ser seu filho. Não tinha culpa dos erros da mãe, mas ela lamentava que, todos os dias, ele sofresse as consequências desses erros.

Vestia as meias de vidro. A saia justa e demasiado curta. Pintava os olhos, penteava o cabelo. Colocava o batom que seria a prova da infidelidade de alguém. Saía de casa no papel de outra pessoa - não acreditava que aquela imagem no espelho pudesse ser ela. A noite era o seu emprego. Os homens os seus patrões. Todos eles a humilhavam. E todos eles, sem qualquer tipo de exceção, pelo prazer que conseguiam extrair disso, lhe atiravam uns trocos numa indiferença tal que não se sentia mais uma pessoa, apenas um objeto.

A vida que levava estava longe de ser a que um dia sonhara para ela. Mas o Eduardo chorava mesmo ali no quarto ao lado. E não chorava das saudades que eventualmente pudesse sentir da mãe que mal via. Chorava da fome que sentia. Chorava porque não comia nada há provavelmente 24 horas. O dinheiro faltava, e as filas no centro de (des)emprego eram o sintoma de que não teria um emprego das 9h às 17h nos próximos meses, quem sabe anos. A razão pela qual vendia o corpo talvez não fosse válida para a maioria, mas o Eduardo chorava, e ela precisava sossegá-lo.

Para ouvir: Ed Sheeran - The A Team

2 comentários:

  1. Gosto muito de te ler! :)
    Continua a escrever e não percas esse gosto que tens!

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