De erro em erro. De um lado para o outro.

5 de abril de 2012

Negociação: Medo

Alguma vez foram assaltados? Eu fui. Naquele dia. Em mim tinha a certeza de que me tinham acabado de roubar o futuro. Sentia-me perdida. Sem rumo ou direção. E assim fiquei, durante o que parece ter sido uma eternidade, mas talvez não tenha passado de uns dias.

São cinco as fases pelas quais todas as pessoas que são confrontadas abruptamente com a morte passam. Comigo não foi diferente. Quando na minha cabeça só rodopiava a palavra cancro, nada mais havia em mim do que um enorme sentimento de negação. Quando ainda tudo é cinzento e indefinido. Quando achamos que aquilo não passa de um pesadelo e que a qualquer momento iremos acordar. Mas depois as coisas mudam, porque o pesadelo não termina. A fúria entranha-se e a esperança dá lugar à raiva. É aqui que surgem os porquês. É aqui que perguntamos a um qualquer Deus a razão pela qual estamos a ser castigados com uma sentença de morte. Que pecado cometemos, que injúria proferimos.

Neste momento, julgo estar na terceira fase: a negociação. Tem de existir uma solução. Tenho de lutar. Faço qualquer coisa para que me devolvam a vida a que tenho direito. Qualquer coisa. Se a força interior que sinto pudesse ser exteriorizada em atos, poderia levantar o monte Everest sem grande esforço. Esta é a fase em que, apesar de todo o desespero - porque esse não nos abandona nunca -, nos é devolvida a esperança outrora furtada e corrompida. É-nos também devolvida alguma tranquilidade. Porque tentamos, independentemente de tudo o resto, lutamos de verdade contra o que teima em tentar deitar-nos ao tapete.

Vou regularmente ao hospital. Tenho de fazer a quimioterapia. É horrível. Mas tem de ser. E, às vezes, existem dias bons. Dias em que o mal estar não me visita. Dias em que o enjoo me abandona, e a normalidade regressa. Dias em que me sinto uma jovem normal e sem qualquer tipo de problema. Dias em que me sinto verdadeiramente bem, mesmo estando tudo mal, medicamente falando.

Às vezes vejo o Dr. Miguel. Ele sorri sempre. Gostava de o conhecer melhor, mas sempre que o vejo ou relembro, a única coisa em que consigo pensar é na notícia que me deu. Ele não tem culpa, mas para mim ele é a personificação do meu pior pesadelo. E isso assusta-me, mais do que a morte.

(Continua...)

Para Ouvir: Pink Floyd - Wish You Were Here                                Para Ver: Inception (2010)

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