Lá está ele, sentado no banco de jardim, à minha espera. O branco da bata que traz vestida não me deixa enganar. É o Miguel. Ele espera sempre por mim, depois da quimioterapia. Espera por mim depois, porque nunca o deixo estar por perto durante o processo. Ele é o meu médico, mas se nós não tivéssemos um caso, ele não faria questão de estar presente na quimioterapia.
Gosto que a minha respiração se torne ofegante, quando o vejo. Gosto que o meu campo de visão o foque apenas a ele, lançando para segundo plano tudo o resto que o rodeia e não importa. Gosto de sentir o pulsar ansioso do meu coração nas minhas têmporas. Gosto do calor que se alastra pela minha cara e me deixa envergonhada. Gosto do toque suave e macio das mãos dele. Gosto doçura que imprime em cada palavra, e da clareza com que demonstra o que sente. Gosto da transparência no olhar, e do enorme respeito com que chega até mim e me deixa estarrecida.
Correu bem? - sussurra enquanto me envolve num abraço quente e apertado. Ficava aqui para sempre.
Não, hoje não me deixaram sentar nas cadeiras confortáveis. - digo, enquanto tento abafar o riso no ombro dele.
Vou tratar de garantir que, de agora em diante, existirá sempre uma cadeira confortável reservada especialmente para ti. - diz com um ar sério. Depois solta um sorriso aberto e dá-me um beijo na minha cabeça deserta de cabelos.
Gosto do silêncio que se segue, porque é apenas um silêncio auditivo. Continua a existir comunicação entre nós. Afirmações, declarações, dúvidas e incertezas em cada movimento. Conversas que nunca mais terminam, perdidas e achadas na linguagem corporal de todos os nossos sentimentos. É um silêncio reconfortante e seguro. É um silêncio apaixonado de dois jovens cujo destino está traçado e é curto. É um silêncio que corre contra o tempo e contra o mundo. Um silêncio que um dia chegará ao fim, transformando-se em saudade, porque eu terei de partir.
Para Ouvir: João Só - Sorte Grande Para Ver: Flipped (2010)
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