Sentava-se sempre naquele banco.
Era um banco simpático. Pintado de verde esperança. Em frente, sereno, o rio
Tejo. Ali o tempo parecia apenas uma questão de perspectiva. A vida parecia
estar em camara lenta. O vento trazia consigo um aroma a liberdade. Mas esse
era um aroma traiçoeiro. Em 1963, a liberdade era uma ilusão de décadas.
Mas ali, naquele banco, quase se
esquecia que tinha a boca amordaçada pela opressão. Quase se esquecia de que o
seu amor estava lá longe, pelas colónias portuguesas, a lutar por uma causa que
não era sua. Quase se esquecia do aperto que tinha no peito. Das saudades que
tinha do seu amor. Do quanto rezava por ele. Do quanto queria voltar a abraça-lo.
Do quanto temia por ele.
Tinham-se conhecido pouco tempo
antes de ele ter sido recrutado para a Guerra Colonial. Ela trabalhava na casa
de uma das “Senhoras” da cidade. E ele, o pobre coitado, trabalhara toda a vida
no campo, oprimido pela mão pesada do pai e pelo silêncio consentido da mãe.
Era um visionário e, no entanto, destinado ao papel de zé-ninguém. Mas ela dava
graças a Deus pela sua inteligência, curiosidade e persistência. Foram essas as
características que o levaram até ela.
Todos os dias, por volta das
10h00, na rua fazia-se soar uma música. Não era a rádio. Não era fado. Era
alguém a tocar um instrumento indistinto. Talvez harmónica. Mas da janela não
conseguia ver-se ninguém. Ouvia-se apenas aquela melodia. Sempre a mesma, e tão
bonita. Um dia, sem que ela esperasse, ele apareceu. Surgiu de trás de uma
árvore, com um sorriso nos lábios, convidando-a para o baile do próximo fim-de-semana.
Ela, sem vergonha ou timidez, rendeu-se aos encantos do jovem rapaz e aceitou o
convite.
Enamorados, a pior de todas as
notícias batera-lhe à porta. Ele, zé-ninguém, fora destacado para fazer parte da
valente vaga de soldados a quem incumbia a missão de silenciar os movimentos de
libertação insurgentes nas Colónias Portuguesas. Despediram-se com um abraço e
nada mais, porque um dia ele haveria de voltar. Inteiro e são.
Escreviam-se, porque essa era a
única forma de se comunicarem. Mas nem as cartas estavam livres da censura.
Algumas – aquelas que traziam informação, mesmo que vaga, sobre os trabalhos em
terras coloniais –, chegavam rasgadas. Todas, sem qualquer tipo de excepção,
chegavam abertas. Nem na intimidade do seu amor, tinham a liberdade de dizer o
que lhes ia na alma. Mas continuavam a escrever-se, a descrever as saudades que
sentiam daqueles tempos que tinham passado juntos. Falavam em casamento e
filhos. Falavam na família, nas alegrias e nas tristezas. Quanto amor era
preciso para conseguir alimentar tamanho amor em tamanhas circunstâncias.
Esperava que ele voltasse rápido.
Embora, naquele banco, o tempo parecesse apenas uma questão de perspectiva, a
vida perdia intensidade e o tempo deixava de fazer sentido. Aquele banco
ajudava-a a diluir os pensamentos, a dispersar os sentimentos. Era um banco
simpático. Pintado de verde esperança – a cor do seu coração (ansioso por
voltar a encontrar o seu amor).
Para Ouvir: Tiago Bettencourt – Eu Esperei
Para Ver: Dear John (2010)
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