De erro em erro. De um lado para o outro.

13 de setembro de 2012

Gelados.


Caros governantes (todos eles, do passado ao presente),

Hoje senti uma vontade incontrolável de vos escrever. Achei estranho e inapropriado mas depois pensei que talvez essa necessidade repentina fosse uma boa opção para “matar tempo”. Ultimamente tem sobrado imenso tempo na minha agenda. É estranho, porque antes “correria” era o meu segundo nome. Hoje, por causa da vossa irresponsabilidade (ou terá sido o novo acordo ortográfico?), perdi o meu segundo nome para um outro que não sei se serão capazes de reconhecer: “desempregada”. Diz-vos alguma coisa?

Ando angustiada. Todos os dias. Esta minha condição deixa-me desmotivada. Eles dizem que é culpa da economia, ou da crise (como lhe chamam os mais práticos), isto de estar sem emprego. Eu não concordo. Acho que a culpa é vossa. Colocaria as mãos no fogo por esta ideia maluca. De facto, achar que a culpa da minha condição é dos governantes que, um a um, foram provando o doce veneno do poder, só pode ser loucura.

Bem sei que, vocês governantes, dirão que a culpa é minha. Devia ter-me esforçado mais no meu antigo emprego. Devia ter feito mais horas extraordinárias. Devia ter pedido um decréscimo do meu salário à minha entidade patronal, em vez de um aumento. Devia ter feito tudo isso com um sorriso na cara. Um sorriso sincero, como quando se dá um gelado a uma criança.

O problema, senhores governantes, é que já não há qualquer motivo para sorrir. As vossas politicas irresponsáveis, mas sempre apresentadas como bens necessários a um país Maior e Melhor, foram derretendo o M-E-U gelado e deteriorando a bolacha que o mantinha, ainda, na minha mão. O problema, senhores governantes, é que as vossas medidas, arriscadas e egoístas, mas sempre apresentadas como preventivas e essenciais a um país mais justo e com maior qualidade de vida, foram eliminando as poucas hipóteses que eu tinha para conseguir, ainda que derretido, continuar a comer o meu gelado. 

Vocês, senhores governantes, tiraram o meu gelado e comeram-no, a vosso bel-prazer. Espero que estejam satisfeitos com o resultado. Vocês cheios e eu a desesperar, porque sem o M-E-U “gelado” não tenho dinheiro para mais nenhum. Sabem, senhores governantes, a última coisa que me apetece fazer agora é sorrir. Não porque, por vossa causa, fiquei sem gelado, mas porque agora não consigo, de maneira nenhuma, arranjar alguém que esteja disposto a dar-me outro. E eu bem procuro. E pergunto. E peço com jeitinho. Mas todos dizem o mesmo: “estamos em crise, não pode ser”.

Bem, imagino que a mim me reste apenas continuar a pedinchar por aí, enquanto vou amaldiçoando a crise por todo o mal que parece fazer às pessoas. A vocês, senhores governantes, resta-vos empanturrarem-se com os gelados que continuam a roubar descaradamente a quem não fez mais do que vos dar um voto de confiança (quando vocês pediram para vos deixarem provar), enquanto vendem a crise, produto da vossa incompetência e ignorância, como o pior dos males. 

Senhores governantes, permitam-me apenas uma última reprimenda: é muito feio desviar para outros as responsabilidades dos nossos actos. A crise, senhores governantes, é responsabilidade vossa. Os vossos actos trouxeram-nos esse tal bicho papão (que pode até ter o nome de “Crise”, mas tem certamente a impressão digital de todos vós) e não o contrário.

Atenciosamente,
Aquela que gostava sinceramente de arranjar um gelado

Para Ouvir: Tiago Bettencourt - Eu Esperei                                    Para Ver: Morning Glory! (2010)

8 comentários:

  1. É preciso saber é o gelado que a Senhora gostaria de comer...

    ResponderEliminar
  2. Fico a aguardar ansiosamente...

    ResponderEliminar
  3. Tem de me dar tempo para conseguir atribuir à personagem e à história algo credivel, tendo em conta a sua curiosidade no gelado que a Senhora quer. Além disso, não quero que fique desiludido(a) com o que vai ler nessa altura.

    Quando esse dia chegar, aguardo ansiosamente o seu comentário :)

    ResponderEliminar
  4. De certeza que me vai impressionar, como sempre.

    ResponderEliminar