A minha consciência não me deixa
descansar. Cospe verdades, em gritos repletos de culpa. Porque não me deixa
fechar os olhos e dormir? Massacra-me com insinuações e afirmações que me
obrigam a dar voltas e voltas na cama, em mais uma insónia igual a tantas
outras. “Cala-te, por favor, cala-te“, penso, mas sou imediatamente atropelada
por mais uma acusação (“a culpa é tua”). Mas é mentira.
Sou habitat de uma relação. A
relação entre o sentimento e a palavra. O sentimento, tímido e recatado, não
consegue viver sem a palavra, incoerente e cheia de si. Ambos sabem que são complemento
um do outro, mas ambos têm imensa dificuldade em lidar com o que entre eles
existe. O que o sentimento quer, a palavra não diz. E quando a palavra tenta, o
sentimento deixa-se ficar para trás. A palavra, de orgulho ferido, bate o pé, e
o sentimento, magoado, esconde-se por detrás do coração. A palavra resmunga e
acaba por desabafar com a sua melhor amiga: a razão.
Aí começa a batalha, já lendária,
entre o coração e a razão. O campo de batalha é, invariavelmente, a cabeça.
Ambos os lados se bombardeiam com insultos e acusações, e nas trincheiras, vão-se
avaliando as consequências e preparando os próximos ataques. É um braço de
ferro complexo. E quando a razão começa a ceder ao coração, a palavra toma as
rédeas e assume o controlo, com contradições a que chama de verdades, encosta o
coração à parede e deixa o sentimento entre a mágoa e a dúvida.
Abandonam-se os dois. Remetem-se,
ambos, ao silêncio (e nisso estão de acordo). O sentimento não consegue
compreender porque a palavra insiste em desmenti-lo. Ele quer expor-se,
mostrar-se, resolver a situação. Não seria tudo mais simples se estivessem
todos de acordo? A razão, o coração, o sentimento e a palavra. A palavra devia
ser a expressão corporal do sentimento. Deviam ser alma e espelho.
Inseparáveis, coerentes, concordantes.
E naquele campo de batalha,
agora, reina a culpa do que ficou por dizer. Reproduzem-se involuntariamente as
acusações. Eternizam-se, na mágoa, os insultos. Tentam esquecer-se, nas voltas
que o corpo dá em torno dele mesmo, os momentos passados. Mas não é fácil.
[Não é fácil quando dizes o que
não queres, só porque estás magoado com o que quer que seja. Mas acontece.
Perdes a razão, e o teu coração fica apertado. A tua consciência torna-se a tua
pior inimiga, em conjunto com o teu orgulho.
Gostava de poder dizer-te que
lamento que assim seja. E mesmo que a solução não passe por aqui, deixa-me
apenas garantir que lês isto: Desculpa.]
Para Ouvir: Dave Matthews Band - If Only Para Ver:The Words (2012)
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